quinta-feira, 13 de agosto de 2009

suicídio.


Se te queres matar, por que não te queres matar? Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida, Se ousasse matar-me, também me mataria... Ah, se ousares, ousa! De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas A que chamamos o mundo? A cinematografia das horas representadas Por atores de convenções e poses determinadas, O circo policromo do nosso dinamismo sem fím? De que te serve o teu mundo interior que desconheces? Talvez, matando-te, o conheças finalmente... Talvez, acabando, comeces... E, de qualquer forma, se te cansa seres, Ah, cansa-te nobremente, E não cantes, como eu, a vida por bebedeira, Não saúdes como eu a morte em literatura! Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente! Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém... Sem ti correrá tudo sem ti. Talvez seja pior para outros existires que matares-te... Talvez peses mais durando, que deixando de durar... A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado De que te chorem? Descansa: pouco te chorarão... O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco, Quando não são de coisas nossas, Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte, Porque é coisa depois da qual nada acontece aos outros... Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda Do mistério e da falta da tua vida falada... Depois o horror do caixão visível e material, E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali. Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas, Lamentando a pena de teres morrido, E tu mera causa ocasional daquela carpidação, Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas... Muito mais morto aqui que calculas, Mesmo que estejas muito mais vivo além... Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova, E depois o princípio da morte da tua memória. Há primeiro em todos um alívio Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido... Depois a conversa aligeira-se quotidianamente, E a vida de todos os dias retoma o seu dia... Depois, lentamente esqueceste. Só és lembrado em duas datas, aniversariamente: Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste. Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada. Duas vezes no ano pensam em ti. Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram, E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti. Encara-te a frio, e encara a frio o que somos... Se queres matar-te, mata-te... Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência! ... Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida? Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera As seivas, e a circulação do sangue, e o amor? Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida? Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem. Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma? És importante para ti, porque é a ti que te sentes. És tudo para ti, porque para ti és o universo, E o próprio universo e os outros Satélites da tua subjetividade objetiva. És importante para ti porque só tu és importante para ti. E se és assim, ó mito, não serão os outros assim? Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido? Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces, Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial? Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida? Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente, Torna-te parte carnal da terra e das coisas! Dispersa-te, sistema físico-químico De células noturnamente conscientes Pela noturna consciência da inconsciência dos corpos, Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências, Pela relva e a erva da proliferação dos seres, Pela névoa atômica das coisas, Pelas paredes turbihonantes Do vácuo dinâmico do mundo...


Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterónimo de Fernando Pessoa

3 comentários:

Mãe disse...

nao te posso julgar nem guardar qualquer tipo de magoa. somos crescidas e o teu gesto foi muito bonito e adulto.
magoas passadas espero que encontres algo que te feça realmente feliz, algo real e palpavel, nao meras palavras que vao com o vento...

conheco te pouco, mas somos mulheres e temos que nos dar ao respeito...por nos proprias e nao por o que nos rodeia.

espero poder ver-te mais vezes no meu espacinho porque seras sempre bem vinda!

***

Mãe disse...

sabes, sempre me disseram que todos nos temos algo que merecemos, apenas temos que percorrer um longo caminho para crescrmos, amadurecermos e darmos valor.

cada pessoa que entra na nossa vida entra com um proposito, para nos fazer crescer ou para nos mandar abaixo...cabe a nos deixar ou nao!

sorte para ti***

Mãe disse...

Sou uma pessoa bastante aberta e acho que nao ha razoes ara guardar magoas, resentimentos ou um passado que nao foi o mais "glorioso"...
crescemos e estamos sempre a tempo de corrigir os nossos erros, e teremos sempre tempo de cometer novos erros e de os voltar a corrigir, apenas temos que admitir que erramos.
viver e assim, apenas temos que saber escolher, estimar, respeitar e amar para que possamos viver em harmonia com tudo o que nos rodeia.

manter a simplicidade das coisas e sempre mais bonito e verdadeiro do que o floreado de palavras vazias que mais tarde nao querem dizer nada. acções simples como uma caricia, um sorriso timido valem mais do que uma poesia cheia de palavras ao vento.

somos seres tao pequenos neste vasto mundo de emoçoes... no entanto ainda complicamos mais.

força no teu processo de estar bem contigo e com os que te rodeiam.

beijinho menina
o meu cantinho stara sempre desponivel